Vencida, como se soubesse a verdade
Tentei lhe pedir algumas vezes para que me dissesse se eu estava errada ou não, e você somente dizia que a vida, esta vida, é composta por fases. Tudo para que eu não me sentisse errada. Por que nunca me mostrou que eu estava errada? Leio Pessoa e é como me vejo no instante: “Vencida, como se soubesse a verdade.” Tenho tido dificuldades de sonhar.
Em minhas mãos aquele livro de capa dura hoje já com suas folhas amareladas – como as das árvores de outono que caem e sujam as ruas de compreensível adorno – algumas com leves manchas nas bordas, e umas páginas descoladas. Cada imagem me remete ao timbre grave, suave do tom da sua voz me contanto a história por trás de cada uma delas. Tudo se reconstrói em minha memória; remete-me a algumas palavras, cada cena que conjecturei e veemente acreditei, e por mais que eu tenha descoberto novas compreensões, a sua é a minha predileta. O menino Jesus numa manjedoura, cercado por bichinhos, magos e presentes; foragido, refugiado, dócil, dorminhoco. Todo natal imagino isso. A vida se reacende, reluz em seu brilho mais luminoso e esplêndido. Tenho fé nessa versão.
Mas quando te perguntei se eu estava errada, você podia ter dito que sim. Vô, em hipótese alguma tu serias menos amado por mim.
Hoje não sei de mais nada. Refiro-me ao que você disse sobre quem sou. Em se tratando de mim, esqueço facilmente. Sua voz me reafirmando faz falta. Me amava em cada descrição exagerada feita de mim para os outros enquanto eu birrava de tanto embaraço. Confesso que me amava em seus olhos, pois desde que eles se fecharam, de mim esqueci. O violão está bem empoeirado, há quase 1 ano que não componho; cogitei em esquecer as canções. Acho que agora tu dirias em claro e amuado tom que estou errada, não? É, vô, hoje eu não sei de mais nada.
Venho sendo atraída pelas palavras e o mistério de ser subentendida através delas.
Não há quem me ouça como você, então tive de buscar por caminhos alternativos. O problema é que em vez de querer ser subentendida – e quero – meu intento se seduz com rapidez em pretender ser bem assimilada. Um artista não pode deixar que o desvendem todo, que o sintonizem, mas mesmo me atendo ao mistério, o não dito assusta os demais, onde me assombro de pensar no que eles podem estar a entender de mim. O pior de haver a possibilidade de não ser bem quista é a puerilidade de se transtornar com isso. Como naquela tarde de sexta que você me ligou perguntando se eu havia passado de série na escola. Eu só chorava. Menos por tristeza que por vergonha.
Não há quem me ouça como você, então tive de buscar por caminhos alternativos. O problema é que em vez de querer ser subentendida – e quero – meu intento se seduz com rapidez em pretender ser bem assimilada. Um artista não pode deixar que o desvendem todo, que o sintonizem, mas mesmo me atendo ao mistério, o não dito assusta os demais, onde me assombro de pensar no que eles podem estar a entender de mim. O pior de haver a possibilidade de não ser bem quista é a puerilidade de se transtornar com isso. Como naquela tarde de sexta que você me ligou perguntando se eu havia passado de série na escola. Eu só chorava. Menos por tristeza que por vergonha.
O mais custoso é ter de se enfrentar, sem um colo para lamuriar os seus lapsos, sem um canteiro para rejuntar os cacos. Sem o cheiro que te acalma, enobrece e envelhece a alma, reordenando as abstrações advindas dos rastros de suas reminiscências. “Você está fria ultimamente” – há quem diga. Culpa do sol que quase não entra por esta janela.
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