Brasil faminto



A antropofagia se reconfigura a cada época, mas mantém a sua essência elementar. Perpassa por todos os coletivismos, todos os individualismos. Visando um único fim. Sem fim. A alegria é a prova dos nove.

Contra o que se lutava antes que ainda não deixou de ser pauta? E o que nunca se lutou, mas se pode inserir no movimento por se identificar com os demais pontos que ele se voltou contra? Bom, sobre a primeira pergunta, já se tem uma possível resposta: ainda não temos gramática, ou melhor, temos, mas não a reconhecem. As realizações linguísticas de nossa língua cada vez mais se diferem da portuguesa e ainda carregamos o seu nome. Para Marcos Bagno, a união linguística entre os países lusófonos é uma forma de perpetuar esse aspecto neocolonialista, uma espécie de “saudosismo imperial”.

O indivíduo autônomo e explorador (leia-se desbravador) de suas terras, o único explorador possível, por ser seu legítimo dono, torna-se vítima de um sistema que explora (no sentido maquiavélico da palavra), terras alheias. Fonte das injustiças clássicas. Esse conceito de injustiça passa a ser assimilado quando se instaura em nossas terras com a chegada dos “civilizados”. Como os bárbaros saberiam o que isso significava se nem a ideia de urbano, suburbano, fronteiriço e continental tinham ouvido falar? A malandragem veio na caravana da nobreza. A pureza é que sempre esteve do lado de cá.

Para Silviano Santiago, esse sujeito canibal de hoje tem um aspecto mais astuto, vivido, não tem a mesma pureza que seus ancestrais a.C (antes de Cabral) tinham, por ler suas terras sendo sucateadas, riquezas comercializadas enriquecendo a dita “matriz”, sua gênese sendo estupidamente liquidada, a descrição romântica dos heróis literariamente condicionada a traços europeizados, toda a origem sendo subvertida por um rumo civilizatório que vai sendo moldado e imposto por eles... fizeram de nós um simulacro, para nos lembrar de quem queriam que fôssemos parte, sendo que o Brasil nunca foi parte, é matriz de si. Uma terra tão extensa e múltipla nunca devia ter sido vista, nem sequer por um segundo da história, como uma espécie de cópia assenhorada por outros povos que se julgavam superiores. Como um país com a sua extensão territorial equivalente, aproximadamente, só a um dos estados brasileiros (Pernambuco com 98.311 km² / Portugal 92.212 km²) pôde ter cogitado alguma vez que conseguiria domar um solo tão vasto como o nosso? O Brasil sempre foi um formidável colosso, atroz, prestes a devorá-los; e, ainda sim, continuaria um tanto faminto. 

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